domingo, 29 de abril de 2012

Falsos Profetas (parte 4)

Será que escrevo essas coisas porque sou ateu? Ou sou ateu porque me interessei em aprender sobre essas coisas? A verdade é que não importa. Não sou o fim em mim mesmo. Estou em constante metamorfose e não pretendo parar. Muitos sabem que já fui um crédulo por muito tempo, mas hoje penso diferente. Alguns amigos insistem e dizer que foi alguma decepção com Deus ou cm a religião que me fizerem um crítico ferrenho da fé. Mas isso também não importa. O que importa são os resultados. Outros me chamam de reducionista, por elevar a ciência a um patamar em que tudo se explica, ora, que dizer então de quem crê em Deus como criador de tudo e de todos? Acredito que isso sim é reducionismo.


Muitos declaram que “quando Darwin formulou sua teoria da evolução era ateu e materialista” e sugerem que a evolução foi produto de um programa supostamente ateu. Confundiram infelizmente causa e efeito. Pelo que a verdadeira história conta, Darwin estava a ponto de ser ordenado ministro da Igreja da Inglaterra quando lhe apresentou a oportunidade de embarcar no HMS Beagle. Suas ideias e crenças religiosas naquele momento, (como as descreveu ele mesmo) eram as mais convencionais. Considerava totalmente plausíveis todos e cada um dos artigos de fé anglicanos. Através de sua interrogação da natureza, através da ciência, foi constatando lentamente que ao menos parte de sua religião era falsa. Por isso trocou de ponto de vista religioso. Ora! Acaso não foi exatamente o que fiz?


Outros ficaram horrorizados ante a descrição do Darwin da baixa moralidade dos selvagens, sua insuficiente capacidade de raciocínio, seu fraco poder de autodomínio. E afirmavam que: “Hoje em dia muita gente se sente escandalizada por seu racismo.” Mas não me parece que houvesse nenhum rastro de racismo no comentário do Darwin. Ele aludia aos habitantes de Terra do Fogo, que sofriam uma escassez enorme na província mais estéril e antártica da Argentina. Quando Darwin descreveu uma mulher sul-americana de origem africana que preferiu a morte a submeter-se à escravidão, anotou que só o preconceito nos impedia de ver seu desafio à mesma luz heroica que concederíamos a um ato similar da orgulhosa matriarca de uma família nobre romana. Ele mesmo quase foi expulso do Beagle pelo capitão FitzRoy por sua oposição militante ao racismo do mesmo. Darwin estava por cima da maioria de seus contemporâneos neste aspecto. E era já ateu.

Mas, enfim, mesmo que tudo fosse diferente. Mesmo que Darwin tivesse sido motivado pela raiva, pela decepção de perder sua filha, mesmo que o ódio por deus fosse a mola propulsora que arremessou Darwin para os picos da pesquisa das espécies, em que isso afeta à verdade ou falsidade da seleção natural? Thomas Jefferson e George Washington possuíam escravos; Albert Einstein e Mahatma Gandhi eram maridos e pais imperfeitos. E a lista segue indefinidamente. Todos temos defeitos e somos criaturas de nosso tempo. É justo que nos julgue com os padrões desconhecidos do futuro? Alguns costumes de nossa era serão considerados, sem dúvida, bárbaros, pelas  gerações que virão. Possivelmente nossa insistência em que os nossos filhos recém nascidos durmam sozinhos e não com seus pais; ou possivelmente a excitação de paixões nacionalistas como meio de conseguir a aprovação popular e alcançar um alto cargo político; ou permitir o suborno e a corrupção como meio de vida; ou ter animais domésticos; ou comer animais e enjaular chimpanzés para fazer experiências; ou permitir que nossos filhos cresçam na ignorância, ou até mesmo que permitimos que um dia se adorasse a um deus que não se podia ver. Não estaremos vivos, mas certamente se estivéssemos, teríamos vergonha.

De vez em quando olhamos para o passado e vemos destacar-se alguém. É o exemplo do revolucionário americano Thomas Paine, de origem inglesa. Thomas estava muito a frente de seu tempo. Opôs-se com coragem à monarquia, a aristocracia, o racismo, a escravidão, a superstição e o sexismo quando todo isso constituía a sabedoria convencional. Suas críticas à religião convencional eram implacáveis. Escreveu na idade da razão. “Quando lemos as obscenas histórias, as voluptuosas perversões, as execuções cruéis e tortuosas, o caráter vingativo e implacável que goteja do meio da Bíblia, seria mais coerente chamá-la de “o livro de um demônio que o livro de Deus, pois ele só serviu para corromper e brutalizar à humanidade”.

Ao mesmo tempo, o livro mostrava a reverência mais profunda por um Criador do universo cuja existência Thomas Paine questionava, pois era evidente ao dar uma simples olhada no mundo natural. Mas, para a maioria de seus contemporâneos, parecia impossível condenar grande parte da Bíblia e de uma vez abraçar a Deus. Os teólogos cristãos chegaram à conclusão de que ele era um bêbado, um louco ou um corrupto. O estudioso judeu David Levi proibiu a seus correligionários tocar sequer, e menos ainda ler, o livro. Paine se viu submetido a tal sofrimento por seus pontos de vista (incluindo seu encarceramento depois da Revolução francesa por ser muito coerente em sua oposição à tirania) que se transformou em um velho amargurado.

É claro que se pode dar outros contornos à teoria de Darwin e usá-la  de modo grotesco: Magnatas de voracidade insaciável podem explicar suas práticas de cortar cabeças apelando ao darwinismo social; Os nazistas e outros racistas podem alegar a “sobrevivência do mais forte” para justificar o genocídio. Mas Darwin não fez ao John D. Rockefeller nem Adolf Hitler. É muito provável que se produziram esses acontecimentos ou similares com ou sem o Darwin.

Se pudéssemos censurar Darwin, o que outros tipos de conhecimento não poderíamos censurar também? Quem exerceria a censura? Quem de nós é o bastante sábio para saber de que informação e ideias podemos prescindir com segurança e qual delas será necessária daqui dez, cem ou mil anos no futuro? Sem dúvida podemos fazer certa valoração de que tipos de máquinas e produtos vale a pena desenvolver. Em todo caso, devemos tomar estas decisões, porque não temos recursos para aplicar todas as tecnologias possíveis. Mas censurar o conhecimento, dizer às pessoas o que deve pensar, e em que se deve crer é o mesmo que abrir a porta para a castração do pensamento, levando-nos a tomar decisões absurdas e incompetentes e a cair na decadência a longo prazo. Ideólogos ferventes e regimes autoritários consideram fácil e natural impor seus pontos de vista e eliminar as alternativas.

Fica então a frase de um líder bem conhecido para você leitor refletir:

“Está emergindo uma nova era de explicação mágica do mundo, uma explicação apoiada mais na vontade que no conhecimento. Não há verdade, nem no sentido moral nem no cientista”. Adolf Hitler

Continua...

2 comentários:

  1. Edson, tô lendo essa sua série (muito boa, aliás) de artigos; mas ainda não comentei nenhum deles; queria comentar todos aqui, mas ia gerar uma pequena confusão, talvez.

    Darwim foi um cara muito corajoso. Perturbado pela morte da filha, atormentado por alucinações onde a filha lhe aparecia e conversava com ele(os espíritas dariam uma "boa" explicação para isso, os neurologistas talvez não...rss), mas foi um bravo, sem dúvida.

    Olavo de Carvalho considera o darwinismo genocida em si mesmo e tem boas razões para fazê-lo. O que você acha desse trecho de Darwim(que você deve conhecer):

    “Em algum período futuro, não muito distante se medido em séculos, as raças civilizadas do homem vão certamente exterminar e substituir as raças selvagens em todo o mundo. Ao mesmo tempo, os macacos antropomorfos...serão sem dúvidas exterminados. A distância entre o homem e seus parceiros inferiores será maior, pois mediará entre o homem num estado ainda mais civilizado, esperamos, do que o caucasiano, e algum macaco tão baixo quanto o babuíno, em vez de, como agora, entre o negro ou o australiano e o gorila”.

    Se isso não é racismo, não sei o que racismo é. Mas posso até admitir que o racismo de Darwin não era o racismo genocida que nos deixa perplexo, mas com certeza, ele deu munição a Hitler na sua "solução final"; este sim, genocida por natureza e ideologia.

    Eu gostaria de vê-lo discutindo o "problema de Deus" num nível mais elevado, pois do jeito que você aborda o tema, só contraria mesmo os fieis que ainda não conseguiriam(por falta de bagagem ou por medo de perder a fé), discutir o tema em um nível mais complexo.

    Sabe, meu amigo, de uma coisa estou absolutamente certo: fé teísta(ou qualquer fé metafísica) nunca foi incompatível com a razão, a ciência e a autonomia intelectual.

    Deixo um link do meu blog(que tava meio paradão mas que voltei agora a atualizá-lo aos moldes do meu antigo "sala do pensamento")

    http://veredasdopensamento.blogspot.com.br/2012/04/por-que-nao-sou-um-fa-de-charles-darwin.html

    vou comentar seus outros textos. abraços

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  2. Edu meu capitão, você diz que eu deveria discutir a questão de Deus num nível mais elevado, mas tanto eu como você sabemos que isso é impossível. Para que esta argumentação aconteça, é necessário que o crédulo suba um degrau o que o cético desça um, como sei que, o crédulo jamais faria isso, cabe a mim descer então. Foi o que fiz. Agora, supondo que você diga que "nível mais elevado" seja "crer pelo menos um pouquinho", confesso que seja um tanto difícil para mim. pois teria que trair minhas convicções.

    Proponho aos crédulos um exame cético, e com isso, fica evidente que eu já cogitei as hipóteses possíveis de uma existência de deus, logo, mesmo sem perceber, eu já desci ao "nível elevado" dos crentes, mesmo sem sair do "nível complexo" do cético.

    Vou visitá-lo no novo blog amigão, pode me esperar.

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